Descoberta de Exoplaneta contempla três cientistas com Prêmio Nobel de Fisica

POR JOHANNS ELLER E RAFAEL GARCIA - O Globo



O Prêmio Nobel de Física de 2019 teve como ganhadores os cientistas que descobriram o primeiro planeta orbitando uma estrela similar ao Sol e o teórico que lançou a base moderna para estudo do nascimento e desenvolvimento do Universo.

É comum, nos anos recentes, os prêmios Nobel das categorias de ciência serem repartidos em dois ou três ganhadores —neste caso, a divisão foi feita no padrão 25%, 25% e 50%.
Os suíços Michel Mayor e Didier Queloz, da Universidade de Genebra, levaram a metade dos 9 milhões de coroas suecas que coube aos exoplanetas, e o americano James Peebles, da Universidade de Princeton, ficou com o quinhão da cosmologia.


Cosmologia moderna
Peebles, de 84 anos, previu junto com outros dois colegas a chamada radiação cósmica de fundo de micro-ondas, uma das evidências mais fortes de que o Big Bang de fato ocorreu. Essa energia consiste em ondas eletromagnéticas que permeiam todo o espaço e datam de uma época em que o Universo tinha apenas 400 mil anos. Hoje, o cosmo tem 13,8 bilhões de anos.
Essas ondas eletromagnéticas foram emitidas quando os primeiros prótons e os elétrons estavam se combinando para formar átomos, um processo que tornou o Universo transparente e permitiu a circulação de luz.
A luz da radiação cósmica de fundo tem hoje frequência de micro-ondas porque acabou sendo "esticada" pela expansão do Universo ao longo dos bilhões de anos, fenômeno calculado por Pebbles e confirmado posteriormente por radiotelescópios.
A radiação cósmica de fundo é importante não apenas como confirmação do Big Bang mas também porque é uma das formas que os cientistas encontraram de impulsionar a cosmologia sem depender tanto de especulações.
Um teórico que tenha alguma hipótese sobre o Universo primordial pode hoje tentar verificar se ela está correta buscando entender como sua postulação afetaria a distribuição da radiação cósmica de fundo.
Em uma conversa por telefone transmitida pelo comitê do Nobel, Peebles disse que foi reticente em entrar no campo de pesquisa da cosmologia naquela época.
— Quando comecei a trabalhar neste assunto, em 1964, a convite do meu orientador, o professor Robert Henry Dicke, eu estava desconfortável em entrar na área, porque a base observacional dela era muito modesta, mas eu fui seguindo em frente — afirmou. Peebles se disse um "apaixonado" pela Ciência e aconselhou que jovens que estão enveredando na área científica o façam apenas se forem "fascinados" por ela.
Na avaliação do físico brasileiro Marcelo Gleiser, pesquisador da Darmouth College (EUA) e vencedor do prêmio conhecido como o 'Nobel da Espiritualidade', Peebles é o patriarca da cosmologia moderna, e a homenagem reflete seu papel para toda uma geração de cosmólogos.
— Quando recebi a notícia, sorri. Ele é uma espécie de ponte entre a cosmologia que aconteceu nos anso 40, 50 e 60 e a cosmologia moderna. Foi o primeiro a fazer o cálculo que previa que o universo ia ter uma radiação cósmica de fundo de micro-ondas, que é a assinatura do Big Bang, quando ainda era aluno de doutorado — explica Gleiser. — Peebles não descobriu uma partícula nova, ou a cura do câncer X ou Y, mas formou toda uma geração de pessoas ligadas à cosmologia dos anos 80 e 90 e até hoje.
Exoplanetas
Em 1995, diferentes grupos de cientistas já tentavam detectar planetas fora do sistema solar usando um método para medir a chamada “velocidade radial” das estrelas. A ideia consiste em detectar a oscilação da luz estelar provocada pela perturbação gravitacional que a estrela sofre ao interagir com o planeta.
Michel Mayor e seu então aluno de doutorado Didier Queloz foram os primeiros a conseguir projetar e acoplar a um telescópio um instrumento de detecção sensível o suficiente para tal, e relataram a observação de um planeta em torno da estrela 51 Pegasi, na constelação do Pégaso, naquele ano.
Mayor, hoje com 77 anos, também se lembra de embarcar numa aventura incerta quando escolheu seu objeto de pesquisa.
— Ninguém sabia ainda se exoplanetas existiam ou não — contou em uma depoimento divulgado pela Universidade de Genebra — Astrônomos de prestígio já tinham procurado por eles em vão durante anos.
Mais tarde Queloz, hoje com 54 anos, foi colaborador do projeto Corot, lançado em 2007, um telescópio espacial francês que conseguiu detectar planetas menores
A existência de pequenos corpos celestes, mais similares à Terra, foi inferida porque eles provocam uma tênue diminuição do brilho estelar quando passam na frente de suas estrelas-mães, causando um mini-eclipse.
Esse avanço levou à criação de outros projetos de observação similares, e hoje há mais de 4.000 exoplanetas na lista de objetos astronômicos conhecidos.
O astrônomo Eduardo Janot Pacheco, da USP, também trabalhou no projeto Corot e trouxe Mayor ao Brasil em 2009. O suíço participou do encontro da União Astronômica Internacional, no Rio de Janeiro, e deu palestras em São Paulo.
— Eu já esperava fazia alguns anos que o nome dele fosse anunciado pelo Nobel — , diz o brasileiro. — Ele é um sujeito excepcional. Venceu uma corrida com um grupo americano que estava tentando o mesmo. Ele projetou um espectrômetro [instrumento para decompor a luz] de altíssima precisão, instalado dentro de um tubo a vácuo gigante, com regulagem de temperatura na escala dos micrograus.
Mayor é reverenciado na comunidade de astrônomos também por ter formado muitos cientistas na Universidade de Genebra. Um de seus orientandos de doutorado, o brasileiro José Renan de Medeiros, é hoje professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Planeta esquecido
Um potencial objeto de controvérsia na concessão do Nobel de Física deste ano é que, a rigor, o planeta descoberto por Mayor e Queloz em 51 Pegasi não foi o primeiro a ser encontrado fora do Sistema Solar.
Em 1992, o polonês Aleksander Wolszczan anunciou ter encontrado mais de um planeta em torno de um pulsar, uma espécie de “estrela morta”. A descoberta não tinha implicação para coisas como a busca de planetas em condições similares aos do Sistema Solar (muito menos vida extraterrestre) e ganhou menor notoriedade fora da comunidade astronômica.
O Nobel fez em seu anúncio a distinção de que o prêmio de Mayor e Queloz é pela descoberta do primeiro exoplaneta na órbita de uma estrela “de tipo solar”.
Ciência e arte
Um episódio que chamou a atenção do público no anúncio do Prêmio Nobel de Física nesta terça-feira foi o uso de uma referência à série de TV "The Big Bang Theory" no anúncio dos vencedores.
Ulf Danielsson, representante do comitê do Nobel, recitou o verso inicial da canção tema de abertura do programa: “Our whole universe was in a hot, dense state, then nearly fourteen billion years ago expansion started” (Nosso universo estava em um estado denso, quente, então quase 14 bilhões de anos atrás a expansão começou).
Curiosamente, fãs da série já haviam notado que um episódio transmitido em 10 de janeiro remete à história de Jim Peebles, físico premiado neste ano por seu trabalho em cosmologia.
Os personagens Amy e Sheldon também fazem uma previsão teórica que é confirmada de modo acidental em um experimento de outro grupo, o que os leva discutirem eventual premiação pelo Nobel.



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